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“Uma noite serena”

Celebrações do 511º aniversário da Misericórdia de Barcelos

Augusto Leitão “encheu” de música e povo a igreja da Misericórdia.

As igrejas, locais privilegiados para a reflexão, transportam em si uma serenidade que funciona como um bálsamo para os fiéis e não deixa indiferentes os que duvidam ou negam a existência de Deus; convidam ao recato, à paz de espírito, à introspecção.

São, por isso, como que uma caixa de música em ponto grande, onde só nos é permitido ouvir os acordes harmoniosos do órgão ou das cordas, numa simbiose perfeita entre o etéreo do divino e o que de mais sublime se pode obter da música.

Não é fácil conjugar, com sucesso, estes dois desideratos, mas Augusto Leitão conseguiu-o, na noite da passada sexta-feira, no recital "Por Uma Noite Serena – A Caminho de Istambul" (inspirado no livro "A Senhora", de Catherine Clément), que teve lugar na igreja da Santa Casa da Misericórdia.

Convidado pela instituição para as celebrações do seu 511º aniversário, Leitão não necessitou de mais do que um cenário minimalista, composto por velas e enquadrado pela talha dourada do altar, para manter a atenção de um público atento e quase reverencial.

Sentado ao canto da capela-mor – "por respeito", dizia – Augusto Leitão fez desfilar, durante mais de uma hora, músicas populares (grande parte de origem sefardita) que, ao longo dos anos, tem vindo a recolher pelos locais por onde passa ou procura passar.

Natural de Chavão, advogado de profissão e com uma passagem efémera pelo seminário, não deixa de ser invulgar a afectividade que sente pela música e cultura sefarditas. Não sabemos se essa atracção tem na sua origem apenas o gosto, mas nota-se alguma cumplicidade ou mesmo identidade quando, de olhos semicerrados, vai cantando com emoção mal contida o sofrimento de um povo perseguido.

Cantor improvável de canções que o tempo se encarregou de as tornar também improváveis, Leitão, curiosamente, foi convidado a cantar, no local mais improvável, os trabalhos de origem sefardita que conta no seu repertório. Não lhe chamaríamos uma heresia, mas António Pedras, o Provedor da Misericórdia, demonstrou, para além de alguma coragem, uma abertura de espírito para a cultura que convém aqui assinalar.

A sua preocupação, dizia, era "oferecer um espectáculo de primeiríssima qualidade". Consegui-o. Facilmente, diríamos. Afinal, como Pedras referiu, Leitão "alcançou, a título de mero amador, um lugar na música portuguesa". Nós até iríamos mais longe: é hoje um dos mais importantes estudiosos de música sefardita em toda a Península Ibérica.

"Por uma Noite Serena – A Caminho de Istambul", tema que deu título ao espectáculo, reflecte a perseguição aos sefarditas e o refúgio que estes foram encontrar entre os muçulmanos, nas cidades de Salónica (actualmente grega) e Istambul, então sob domínio do Império Otomano. Mas, "Como Vivo Coytada", "Campanas de Bilasseco" ou "Os Dois Príncipes", também merecem especial destaque. Isto sem esquecer a sanfona – instrumento musical caído em desuso que Augusto Leitão domina como poucos.

O espectáculo terminou com o público de pé a aplaudir efusivamente.

Cultura

Barcelos Popular
Texto
02 de Jun de 2011 0

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