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A angústia da morte

Ciclo de Conferências – Consciência e Religião - Perspectivas

Mário Soares esteve em Barcelos para falar de consciência e religião.

A angústia da morte e o medo do desconhecido serão, em traços gerais, algumas das razões para o homem se socorrer do apelo ao divino e, em última instância, manifestar apego a uma qualquer religião.

As palavras proferidas por Mário Soares, na palestra "O Diálogo Inter-Religioso" que decorreu, no passado sábado, no Auditório Municipal, inserida no ciclo de conferências "Consciência e Religião – perspectivas", não terão sido rigorosamente estas, mas a ideia, essa, não deverá andar muito longe daquilo que agora escrevemos.

Soares, filho de um ex-franciscano, agnóstico assumido que, em matéria de religião, andará muito mais perto de Bento Espinosa do que de Bertrand Russel, não nega a existência de Deus, sustentará talvez, como Thomas Huxley, que a questão da existência ou não de Deus nunca será resolvida. Ou, se quisermos interpretar à luz de outras correntes que lhe são próximas, acreditará, porventura, na existência, isso sim, de uma entidade suprema.

Não foi por estas razões, contudo, que Mário Soares veio a Barcelos falar de religião. A sua experiência enquanto presidente da Comissão de Liberdade Religiosa facultou-lhe um conhecimento único do fenómeno religioso em todo o mundo, principalmente entre as chamadas religiões do Livro: judaísmo, cristianismo e islamismo.

Foi dessa experiência que falou, com a clarividência suficiente para atribuir ao fundamentalismo islâmico mais razões de natureza política do que propriamente religiosas. Aliás, dizia, ao longo da história, os conflitos e a violência geradas por aqueles que se julgavam detentores da verdade – e isso é uma das essências das religiões – foram-se repetindo.

Com Constantino, a religião cristã passou de perseguida a perseguidora. Na Idade Média, a inquisição, em nome dessa verdade pretensamente absoluta perseguiu e massacrou milhares de pessoas. Durante o renascimento e, mais tarde, com o surgimento do iluminismo, os conflitos passaram a envolver também a ciência. Galileu teve que se retratar quando defendeu o heliocentrismo contra as teorias geocêntricas que vingavam na época.

Curiosamente, porém, muito antes, no El Andaluz, em pleno califado de Córdoba, entre os séculos X e XI, e numa época e local onde as religiões do Livro conviviam pacificamente, recuperavam-se e salvaguardavam-se as ideias e a filosofia da Grécia clássica.

Indo por aí fora, Soares parou no Portugal republicano para opor a tolerância dos tempos que vivemos ao radicalismo que, de parte a parte, se tinha instalado durante a Primeira República. Dessa época conturbada, porém, realçou o enorme passo que foi dado para a separação da Igreja do Estado e da sua transformação num regime laico.

Essa, sustentava, é a grande vitória civilizacional dos tempos modernos, por antítese com os regimes teocráticos que ainda persistem em alguns países, principalmente do Médio Oriente.

De resto, dizia, com a Revolução Francesa, o ateísmo foi-se desenvolvendo à medida que a ciência avançava. Essa tendência terá eventualmente abrandado, mas, no essencial, importará reter que mais do que as divergências interessa salvaguardar o respeito mútuo.

Uma palavra final para a enorme afluência de público de várias crenças e confissões que encheram por completo o auditório.

Cultura

Barcelos Popular
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04 de Fev de 2010 0

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