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Barcelos começou a ser “resgatado”

Da cultura à saúde mental: dois mundos que se unem

Arrancou o "Resgate" em Barcelos.

Barcelos começou, sábado, a ser sensibilizado de uma forma inovadora para a problemática da saúde mental com o arranque da iniciativa "Resgate". A antiga casa Sá Cortinas foi o palco escolhido para a comunhão de duas áreas que muitos poderiam achar que não comungam da mesma filosofia: a arte e a saúde mental mostraram o quanto uma pode fazer pela outra. Uma palestra seguida de uma exposição foram os pontos altos da noite e abriram portas para um rol de iniciativas que pretendem alertar para a necessidade de assegurar uma melhor qualidade de vida aos doentes mentais.

Doença mental afecta 23% da população portuguesa

O director do Programa Nacional para a Saúde Mental, Álvaro Andrade de Carvalho, revelou o estado da saúde mental dizendo que a depressão grave é "a 4ª maior causa do mundo" para a incapacidade de trabalho, sendo, "a maior causa na Europa", atingindo entre 5 a 7%. Em Portugal o número está próximo do valor máximo, perspectivando-se que a doença atinja 6,8%. Se a estatística englobar todos os doentes mentais, o valor dispara para 23%. Segundo o palestrante, estima-se que, em 2030, a depressão grave seja a maior causa de incapacidade do mundo.

Apesar de um número bastante elevado, a verdade é que o "pais evoluiu muito principalmente a partir das décadas de 70/80", altura também em que se começou a perceber que "os medicamentos não eram tudo". Assistiu-se a uma espécie de boom das unidades sócio-ocupacionais, porque os doentes, para além da medicação, quando interagem em comunidades psicoterapêuticas, conseguem ter uma socialização maior", acrescentou.

Três hospitais, 40 IPSS e 14 unidades ao serviço da saúde mental

Depois do encerramento de três dos seis hospitais psiquiátricos, actualmente existem 40 IPSS com serviços de apoio a doentes mentais e 14 unidades pertencentes aos hospitais psiquiátricos, mas a funcionarem autonomamente. "Estamos em vésperas de aprofundar este programa, através dos Cuidados Continuados Integrados de Saúde Mental. Será um projecto para arrancar este ano".

Num balanço inicial, Miguel Durães, presidente da Associação dos Familiares e Amigos dos Utentes da Casa de Saúde S. João de Deus (AFAUCSB), disse-se "completamente surpreendido" com a adesão à iniciativa. "Havia gente até à porta. Acho que isto diz muito, são pessoas que procuram momentos culturais ao mesmo que se põe em debate temas fundamentais da nossa sociedade".

O programa continua até dia 27: sexta-feira com Nuno Prata, ex-vocalista dos Ornatos Violeta no CCOB; sábado estará presente o secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde, Fernando Leal da Costa; o presidente do Conselho Nacional para a Saúde Mental e presidente do conselho de Administração do Hospital Magalhães Lemos, António Leuschner, e Filomena Bordalo, conhecida na área da economia social.

Visitas guiadas por utentes

Visitantes não têm notado diferença entre utentes e técnicas

Além das palestras e da exposição, "Resgate" traz visitas guiadas pelos utentes da AFAUCSB às terças e quintas-feiras. As IPSS’s e as escolas visitam os três espaços da mostra: o rés-do-chão, denominado de paraíso; o 1º andar, chamado de paisagem e o sótão dedicado à esquizofrenia. Filipe Durães é um dos utentes que, a par de Alexandre Durães, percorre os espaços a dar explicação sobre as cerca de 50 peças que os visitantes encontram. "Eles intervêm enquanto explicamos as peças e os visitantes não têm estranhado o facto de alguns dos guias serem utentes da nossa instituição", explicou a terapêuta ocupacional, Joana Furtado para acrescentar: "Disseram que, afinal, as pessoas são capazes e podem ter um papel activo". Prova disto mesmo foi o testemunho recolhido de Otelinda Veloso, utente do centro social de Durrães, a primeira instituição a visitar a exposição. Quando questionada se notou alguma diferença entre os guias respondeu: "Não eram todos iguais? Para mim eram".

A iniciativa pretende "aproximar estes dois mundos para mostrar que são pessoas como as outras", salientou Miguel Durães. As visitas não são impostas, os utentes participam quando querem e ao ritmo que querem, podendo também participar no atelier de pintura.

Da parte de quem visita a opinião também tem sido positiva e até "surpreendente para as técnicas. "Basta uma palavra para eles tentarem perceber o conceito desta arte contemporânea".

Além das visitas, os utentes participaram também activamente na preparação do espaço: "A interacção entre artistas e utilizadores foi muito boa. Até como actividade sociocultural, virmos para cá só tem trazido benefícios", acrescentou Joana Furtado. As visitas, no antigo Sá Cortinas, podem ser feitas das 14 às 18h.

35 artistas conceberam peças para a exposição

"Resgate" a surpreender pela cultura

No arranque do "Resgate", Marta Bernardes, professores de Belas Artes, artista plástica e em representação dos 35 artistas convidados a realizarem uma peça relacionada com a temática, começou por dizer que a iniciativa foi "um momento são da democracia. Uma possibilidade de os artistas revelarem os sintomas e as suas maluqueiras para abraçarem uma causa". Marta disse que a AFAUCSB conseguiu atingir o propósito para que nasceu: "As IPSS são criadas para se enriquecerem, mas não para ganharem dinheiro".

Apesar de organizar a mostra em tão pouco, Hugo Soares, comissário da exposição, disse que a missão "foi cumprida", porque os trabalhos estão " a pôr as pessoas a pensar". Alexandre Costa foi um dos artistas que aceitou o convite e concebeu a mesa que serve de base às conferências. Chama-se "Universo Em Marcha - Dispositivo Para Acontecimentos" e pretende "interpelar qualquer acontecimento que surja". Feita em madeira e com uma perna apoiada numa máquina de exercícios, a mesa "temperamental" treme e está associada a uma " realidade contemporânea instável que obriga o ser humano a lidar com ela". A par das peças de arte, a inauguração contou com a brilhante actuação de José Valente, que presenteou a plateia com uma performance imbuída num conceito no mínimo surpreendente. Sobre um qualquer tapete encarnado lá de casa, o tocador de viola-d’arco, descalçou-se e apresentou o guião dos seus concertos. Arriscou, e bem, em começar a sua actuação a improvisar melodias "treinadas horas a fio". O antigo Sá Cortinas serviu de laboratório para o artista captar a atenção dos presentes: com os pés, as mãos ou a cabeça, todos marcavam os ritmos. José Valente teve espaço para mais dois temas de sua autoria: "Imenso Portugal", inspirado no "Fado Tropical" de Chico Buarque e "Bacalhau Cheiroso".

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Barcelos Popular
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18 de Abr de 2013 0

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