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"A pior prisão é a dos que se vendem por um prato de lentilhas"

Entrevista ao escritor José Fanha

José Fanha tem sido participante activo na Feira do Livro de Barcelos.

Natural de Lisboa, José
Fanha declara-se radicalmente português, usando a palavra com uma postura cultural e social invejáveis. Poeta, declamador, autor de letras para canções e de histórias para crianças, autor de textos para televisão, para rádio e para teatro ainda lhe restando tempo para pintar, José Fanha, entre muitas outras aventuras, foi fundador em 73 do grupo de teatro "Lídia a mulher tatuada e os seus actores amestrados" e participou em 77 no concurso de televisão "A visita da Cornélia". Habitual convidado da Feira do Livro de Barcelos, José Fanha transparece sempre uma notável simpatia reveladora de uma personalidade que é um admirável exemplo de um exímio comunicador.

Como impulsionador dos hábitos de leitura junto do público mais jovem qual a fórmula para resistir à actual crise de valores culturais?

Insistir na criação e consolidação de valores éticos e morais. Insistir na importância da literacia em geral e na leitura em particular para o desenvolvimento social e económico do país. Insistir na necessidade de preservar as memórias do nosso passado para que o futuro não se torne num muro intransponível.

De que forma explica tamanha dedicação à sua actividade?

Por um lado, talvez seja uma forma de militância, se se quiser. Por outro, acho que sou "passador" de um vício maravilhoso que se chama leitura e do qual estou gravemente infectado.

Numa entrevista disse: "Apesar de ser um homem de palavra e de palavras, acho-me sem saber como expressar a minha emoção". Depois de tantos anos a fomentar a literacia pelo país acha que ainda não o conseguiu fazer?

Sou apenas um dos muitos resistentes. No entanto, se pretendemos tornar-nos numa sociedade de informação e conhecimento, será necessário que a literacia e a promoção da leitura se tornem num desígnio nacional claramente assumido pelos media, pelas entidades políticas e pela classe empresarial e sejam assumidos como um dos pilares fundamentais para o desenvolvimento do país.

De todos os projectos artísticos em que participou qual o que lhe deu mais prazer?

O que talvez me tenha dado mais prazer terá sido a participação no grupo de teatro "Lídia a mulher tatuada e os seus actores amestrados". Foi uma experiência divertidíssima e radical.

Existe algum em particular que ainda queira realizar?

Gostaria muito de dirigir um grupo de teatro eventualmente universitário que pudesse explorar a estética descabelada da "Lídia".

Aos 19 anos declamou poesia ao lado do Zeca Afonso. De que modo é que este episódio o influenciou?

Para mim e para a minha geração o Zeca era um mito, um ídolo e um exemplo a seguir. Ética e estética estavam intimamente ligadas na sua acção cultural. Ter sido seu humilde companheiro, quando ainda era um jovenzinho, levou-me a consolidar uma matriz fortíssima na forma de me relacionar com a arte, com o público, com o pensamento e a acção cívica ou política. Esta matriz é a que ainda guia os meus passos e a minha vida.

Sendo um comunicador de emoções e privilegiando o contacto humano e a troca de opiniões, quais as maiores mudanças que sentiu ao longo dos anos no exercício da liberdade de expressão?

Eu sempre fui livre. Mesmo quando o país estava preso. A pior prisão é a que vem de dentro. A dos que se auto-censuram por calculismo. A dos que se vendem por um prato de lentilhas, por um emprego, por um cargo político… A estupidez, a mesquinhez, a incapacidade de voar e pensar pela sua própria cabeça é a melhor forma de esquecer os sagrados valores da liberdade. A grande informação de hoje em dia está presa aos grandes interesses económicos e, por isso, está muito longe de ser livre.

Qual a função dos livros nessa demanda pela liberdade?

Ler será sempre um acto libertário de alegria e festa, de encontro de cada um com a diversidade do mundo, um acto de transgressão de fronteiras, de inquietação, de instalação da dúvida. Não é por acaso que todas as ditaduras queimaram livros.

É natural de Lisboa mas sente um especial encanto pelas gentes do norte. Quais as particularidades que o encantam?

Eu sou português. Sou de Lisboa, do Alentejo, do Minho, de Trás-os-Montes… O que me encanta no Norte e no Sul é a variedade de paisagens, de hábitos, de músicas… E tudo vivido dentro de uma mesma língua e de uma mesma identidade que nos distingue de todas as outras.

É um habitual visitante à cidade de Barcelos. O que o seduz?

É muito forte, quase excessiva, extravasada, festiva, colorida, quente, individualista, afectiva, amorosa…

Que mensagem gostaria de deixar a todos os amantes das palavras?

Que procurem usá-las como deixando que a maravilha lhes escorra nas veias. Mas também com muita atenção ao perigo para o qual um cartaz do Maio de 68 já nos avisava: "Cuidado! Os ouvidos têm paredes!"

Entrevista

Barcelos Popular
Texto
29 de Jul de 2010 0

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