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“O Governo teve uma obsessão pelo défice"

Entrevista a Carla Cruz, candidata a deputada pela CDU

Entrevista na íntegra a Carla Cruz, candidata a deputada pela CDU.

Carla Cruz, 47 anos, deputada do PCP, eleita no âmbito da coligação CDU (PCP/Os Verdes), é, novamente, a cabeça de lista pelo distrito de Braga. Em entrevista ao Barcelos Popular, apela ao reforço na CDU, para que afastar a maioria absoluta do PS que, a confirmar-se, significaria o retrocesso da qualidade de vida dos portugueses, algo que, defende a comunista, melhorou nos quatro anos de geringonça à esquerda.

 

 

Perfil

Carla Cruz nasceu em Braga, há 47 anos, cidade na qual é eleita da Assembleia Municipal, desde 2009. Sempre exerceu funções como psicóloga, a sua formação profissional, até, em Janeiro de 2013, ter substituído o deputado, Agostinho Lopes, na Assembleia da República. Dois anos depois, encabeçou, pela primeira vez, a lista da CDU por Braga, tendo sido a única eleita da coligação. Dia 6 de Outubro, volta a candidatar-se ao cargo, encabeçando a lista distrital.

 

Que balanço faz destes quatro anos de Governo PS com apoio parlamentar à esquerda?

Valeram a pena. É importante recordar que foi por iniciativa do PCP que, no mesmo dia das eleições, há quatro anos, face aos resultados e à interpretação que fizemos dos votos, de uma rejeição da política de exploração e de empobrecimento que PSD e CDS-PP tinham perpetrado ao povo no âmbito daquilo que classificámos como pacto de agressão, que o meu camarada Jerónimo de Sousa disse que o PS só não era Governo se não quisesse. Ou seja, os resultados permitiram que o número de deputados eleitos pela CDU, Bloco de Esquerda e PS fosse maior que os do PSD e do CDS.

E valeu a pena porque foi um tempo de recuperação de uma esperança que havia sido perdida por força dessas políticas. Recuperaram-se rendimentos e direitos. Foi possível pôr fim ao corte nas pensões, por proposta do PCP conseguiu-se três aumentos extraordinários das pensões. Conseguiu-se uma valorização do abono de família, não como pretendíamos, e como a CDU continua a defender, que é uma universalização do abono de família, mas conseguiu-se. Foi possível também maior apoio para os desempregados, particularmente para os de longa duração. Repôs-se os quatro feriados que tinham sido roubados por PSD e CDS. Repôs-se as 35 horas na Administração Pública. Conseguiu-se o fim do Pagamento Especial por Conta (PEC), que era uma proposta que o PCP vinha, sistematicamente, há anos, a apresentar e sistematicamente era rejeitada. Conseguiu-se a gratuitidade dos manuais escolares. Ou seja, consideramos que valeu a pena mas também dizemos que nestes quatro anos os avanços não foram mais longe por opção do PS, que pôs à frente da defesa dos interesses das pessoas a opção pela redução acelerada do défice. E isso limitou desde logo o investimento público necessário para apetrechar melhor os serviços públicos. E havia margem orçamental para o fazer. Mesmo cumprindo os ditames da União Europeia do défice, dos quais o PCP não é adepto, o Governo tinha condições para avançar nestes níveis. Na contratação de mais profissionais para o Serviço Nacional de Saúde, de mais professores, educadores, auxiliares de acção educativa para as escolas.

 

Acha que houve uma obsessão pelo défice por parte do Governo?

Com certeza. O Governo tem dado como aspecto muito positivo a redução e até a perspectiva de chegar a um défice zero. Isto significa, para a vida das pessoas, que mesmo naquilo que estava orçamentado, conseguiu-se um excedente, através da redução do investimento. Ora, esse excedente deveria ter sido utilizado para reforçar os serviços públicos, como por exemplo, avançar-se para a aplicação do programa de redução tarifária nos transportes públicos a todo o território nacional, e muito em particular no nosso distrito. Cá as CIM’s têm feito uma aplicação dessa medida, que consideramos muito positiva, mas fica muito aquém. Os valores que foram afectos às CIM’s, como a do Cávado, onde está integrado Barcelos, não permitiu uma uniformização e redução tarifária. Estamos num distrito, e até num concelho, em que a oferta de transportes públicos é muito reduzida.

A redução do défice teve impacto naquilo que poderia estar a funcionar melhor, sobretudo nas funções sociais do Estado. Dou-lhe o exemplo das reformas. Foi possível fazer um aumento extraordinário por três anos consecutivos, em 10 euros. Valorizamos isso, mas poderia ter-se ido mais longe. Não somos nós que dizemos que o país está pior. Não, o país não está pior. Agora, houve claramente áreas que poderiam ter sido melhoradas, se as opções do PS tivessem sido outras ou fossem aprovadas medidas que o PCP apresentou. Vamos a exemplos. Nós, CDU, somos uns enormes defensores da construção do novo hospital de Barcelos. Que sirva Barcelos e Esposende. Foi aprovada em 2018 uma resolução para se iniciar os procedimentos para a construção. No final desse ano, ficou inscrito no Orçamento do Estado para 2019 uma norma para que se iniciassem os procedimentos e o que é que temos?

 

Não acha que forma criadas falsas expectativas nas pessoas nessa questão?

Da parte do PCP não. Nós responsabilizamos o Governo minoritário do PS por não concretizar o projecto. Os deputados não têm informação disponível sobre que verba vão afectar para a construção de um hospital, até porque dizia-se que havia um projecto, que nunca ninguém conheceu, mas se ele existe, achámos que a primeira coisa para a qual se deve olhar, olhe para ele e aproveitar ao máximo o projecto existente e fazer-se as alterações necessárias, até porque já passou muito tempo. Mas isto não é uma decisão que o parlamento possa tomar.

 

Se for eleita no dia 6 de Outubro, o que é que espera que esteja incluído no próximo Orçamento do Estado relativamente ao novo hospital?

Para além da norma, que vejamos factos concrectos. Que o Ministério nos apresente o que é que foi feito durante a execução de 2019 da norma. E para 2020 aquilo que vai ser feito. É isto que vamos exigir, mesmo que não esteja no Orçamento.

Mas diremos, também, que é necessário o reforço de meios humanos, até para atender a casos como aqui no ACES Barcelos/Esposende, em que, segundo nos relataram este semana, apenas cinco assistentes operacionais estiveram a trabalhar no mês de Agosto. É altamente problemático para os profissionais, porque há uma sobrecarga grande como para a segurança dos próprios utentes e encerramentos de serviços de proximidade. É proposta do nosso programa eleitoral, a contratação de profissionais para todos os níveis de cuidados, o mesmo se passa com a escola pública. Mas é também prioritário que se reabram serviços públicos que foram encerrados, como balcões da Caixa Geral de Depósitos, como aconteceu aqui em Barcelos. A Caixa é um banco público e o que se exige ao Governo e que o Governo não quis fazer foi, mais uma vez, pôr os interesses das populações à frente de outros interesses. Quando se encerram serviços, estamos a prejudicar as populações e o tecido económico e empresarial. Um dos nossos compromissos é a reabertura dos serviços essenciais.

Também não houve vontade política de se reverter decisões do Governo PSD/CDS, como a privatização dos CTT. Por diversas vezes, o PCP e Os Verdes apresentaram propostas de lei de reversão para a esfera pública, e o PS, com o apoio do PSD e CDS-PP, chumbaram sistematicamente esta proposta.

 

Vocês já têm algum caderno de encargos para o caso de o PS vencer sem maioria absoluta e a esquerda voltar a ser maioritária no parlamento?

Não temos um caderno de encargos. Até porque o cotexto de 2019 é diferente do de 2015. A principal prioridade era pôr fim a um período de empobrecimento. Não nos podemos esquecer do que é que significou o Governo de direita. Significou desemprego, encerramento massivo de empresas, emigração. Não podemos esquecer o que é quee estava no programas eleitoral de PSD e CDS-PP no que se refere, por exemplo, à Segurança Social. Eram cortes, e a possibilidade da privatização, através do plafonamento da Segurança Social. Mas o que temos dito é que da parte dos deputados do PCP e d’Os Verdes podem contar com isto: estaremos sempre, com o nosso voto, presentes em todas as medidas que forem positivas, em tudo o que não fôr positivo para o povo e para os trabalhadores, obviamente que o Governo não contará com o nosso voto. Aliás, como aconteceu ao longo destes quatro anos.

Não desperdiçaremos nenhuma oportunidade para elevar as condições de vida dos portugueses.

 

O que quer dizer quando diz que o contexto de há quatro anos era diferente?

As circunstâncias são diferentes. Hoje a situação económica e social é diferente, e em algumas matérias, o PS governou com o apoio do PSD e do CDS-PP. A natureza do PS não mudou. O PS, em matérias como a legislação laboral, por exemplo, não reverteu as normas gravosas das alterações ao Código do Trabalho, e agora no final da legislatura, aprovou, com o apoio do PSD e do CDS-PP, alterações que vão no sentido de agravar a precariedade e instabilidade laboral.

  

Já ponderaram o cenário de um acordo PS/PSD?

Aquilo que no dia 6 os portugueses vão decidir é o seu futuro imediato mas também do país. E ficou muito claro ao longo destes quatro anos que o PS a governar sozinho, com maioria, ou com o PSD e CDS, o que é que isso significa. Não significa avanços como nestes quatro anos, mas retrocessos. Um PS de mãos livres a governar, ou com o apoio de PSD e CDS, sempre significou retrocessos, cortes em direitos, desinvestimentos nas funções sociais do Estado. O que temos dito é que é preciso reforçar a CDU, com mais votos, percentagem e mandatos, para que esse caminho de retrocesso não se verifique.

 

Como responde às críticas das pessoas que dizem que o PCP fez uma oposição muito branda a António Costa?

Não é verdade. Fomos incisivos, muito persistentes e, usando uma expressão que o meu camarada Jerónimo de Sousa tem usado, tivemos que ter muita paciência revolucionária para que muitas destas medidas positivas tivessem sido alcançadas.

Combatemos todas as propostas negativas que o PS apresentou. A transferência de competências para as autarquias, um processo que não é de descentralização, mas de responsabilização do Governo de funções que são importantes e que têm que ter um carácter universal. Não houve a respectiva transferência do envelope financeiro que permita as autarquias assumir essas novas funções. E esta descentralização só existe porque mais uma vez o PS teve o apoio do PSD e do CDS. Desde o início que combatemos todo este processo.

Outra área que combatemos foi a das PPP’s, apresentámos propostas para que todas revertessem para o Estado. O PS não nos acompanhou. Na Lei de Bases da Saúde, não fora a nossa determinação e combate à posição que o Governo tinha relativamente às PPP’s, e não tínhamos uma lei em que está lá plasmado que é revogado a existência das PPP’s, e que a gestão dos hospitais é pública e que só em situações temporárias e em que o Serviço Nacional de Saúde não tem capacidade de dar resposta, é que pode recorrer ao sector privado ou social.

 

A grande mais-valia para esta solução de Governo é ter um PS a governar, embora contrariado, à esquerda, do que um PS a governar, convicto, à direta. É isso?

O que é melhor para o povo e para o país? Termos reduzido os impostos, o IRS para rendimentos mais baixos e intermédios e terminado a sobretaxa ou é melhor aumentar-se impostos sobre quem trabalho como quando houve governos, PS, PSD e CDS?

O que é melhor é caminharmos para uma política fiscal mais justa, que tribute quem mais tem. Mas o PS não acompanhou as nossas propostas de englobamento dos rendimentos para quem tem acima de 100 mil euros. Isto não foi um Governo do PS apoiado pelo PCP e Os Verdes. Na posição conjunta, assinada em 2015, havia áreas em que havia uma clara convergência, fim dos cortes, devolução dos rendimentos, sobretudo nas funções sociais do Estado, mas havia outras em que não havia essa convergência e foi nessas que o PS foi buscar o apoio de PSD e CDS.

Por estas épocas ouvimos o PS e o primeiro-ministro a falar no combate à pobreza. Mas a melhor forma de combater a pobreza é aumentar os salários. Há muitos portugueses que, com o rendimentos que auferem, não lhes permite sair da pobreza. Também propomos aumento de, no mínimo, 40 euros nas pensões, e já de 10 euros em Janeiro de 2020. Há reais perigos estas medidas não serem concretizadas caso o PS esteja de mãos livres.

 

A nível distrital, quais as principais propostas da CDU?

Temos um distrito de salários baixos, daí ser um imperativo o aumento dos salários. Outra área central é a dos transportes, mobilidade e acessibilidades. Tem de haver uma aposta clara na ferrovia, e uma ligação entre o Quadrilátero Urbano |Barcelos, braga, Guimarães e Famalicão|.

É preciso uma aposta clara na habitação. O distrito não está alheio à especulação imobiliária, ao aumento muito significativo das rendas. Aquilo que está na Lei de Bases da Habitação tem de ser concretizado, designadamente transformar o património público, imóveis públicos, em habitação, para colocá-los a preços de rendas acessíveis. É importante que se continue a melhorar as condições dos bairros sociais, como o de Arcozelo.

É preciso uma aposta em todos os serviços públicos. Enquanto o novo hospital não se constrói, defendemos que é preciso fazer os investimentos necessários para que o actual edifício tenha melhores condições. É preciso contratar os profissionais que fazem falta para os serviços públicos, sobretudo ao nível dos cuidados de saúde primários. É fundamental, ao nível da escola pública, que se reforce os profissionais, professores ou educadores, mas também auxiliares de acção educativa, técnicos para as necessidades educativas especiais. É central que se e rede de creches públicas gratuita para todas as crianças entre os 0 e os 3 anos. Hoje não temos qualquer resposta pública e as que existem são escassas e muito caras.

Sobre os direitos dos pais, tem de haver um combate efectivo à precariedade laboral. O melhor contributo para a natalidade é criar emprego, com vínculo, estável.

O nosso distrito tem muitas potencialidades, desde logo ligadas às indústrias, sobretudo as tradicionais. É preciso uma aposta no têxtil, na metalomecânica, calçado, e na agricultura e produção leiteira, muito especial aqui para Barcelos. O fim das quotas leiteiras teve impacto extremamente negativo numa área em que éramos auto-sustentáveis. O Desenvolvimento regional, por outro lado, passa pela regionalização e outra área que é muito desejada aqui nestes concelho, o devolver as freguesias ao povo.

 

Para além desse tema da reforma das freguesias, há outro, que é a Linha de Muito Alta Tensão. Que papel é que a CDU teve nestes quatro anos sobre estes dossiers e o que irá fazer nos próximos quatro?

Relativamente à reversão da reforma administrativa, apresentámos iniciativas legislativas para isso, mas o PS, com apoio do PSD e CDS, inviabilizaram essa iniciativa. Continuaremos a estar empenhados nisso. As freguesias são o poder local de maior proximidade, continuam a ser aquelas que respondam aos maiores anseios das populações.

Quanto à Linha de Muito Alta Tensão, exigimos que a regulamentação da lei pelo Governo acautele dois aspectos: que seja aplicada a todas as instalações, incluindo as que já estão implementadas e não só às futuras e a questão das distâncias e protecção efectiva das populações. Que as linhas sejam colocadas com base no princípio da precaução e da protecção das populações e por outro lado que sejam ouvidas as populações e os seus representante, ao autarcas, algo que não aconteceu em Barcelos. Foi um processo de imposição.  

 

Entrevista

Barcelos Popular
Texto
02 de Out de 2019 0

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