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Dois pesos e duas medidas

Artigo de opinião de Vítor Hugo Faria

Estamos em tempos em que a ética na política não é apenas um dever dos políticos, mas também uma responsabilidade dos cidadãos. A ética é extensível a toda a ação humana: na vida privada, na esfera pública, bem como na política.

Todos exigimos que aqueles que exercem funções públicas e políticas não pautem o seu comportamento pelo mero cumprimento da lei (o que, apesar da legalidade, pode conduzir a ações menos legítimas), mas também pela promoção de uma conduta que seja aceite pelo debate informado e plural subjacente ao Estado de Direito Democrático.

Este pressuposto tem tidou m reflexo acentuado nos últimos tempos, o qual tem conduzido a algumas alterações no panorama político, designadamente a exonerações no Governo (e possível suspensão de funções na Assembleia da República), apesar da lei não o obrigar.

A este respeito, assinala-se que, na sua maioria, referimo-nos a casos pendentes nos tribunais, em sede investigatória ou de instrução, cujo julgamento ainda nem sequer foi iniciado. 

Na verdade, são situações em que os visados não foram condenados e estão longe de uma decisão transitada em julgada, mas cuja intensidade da censura social obriga esses atores políticos à tomada de decisões (extremas).

Este nível de intensidade tem contribuído para a dificuldade no equilíbrio entre a ética e as garantias dos arguidos, em prejuízo do princípio geral do processo penal “in dubio pro reo” ou, mesmo, das garantias constitucionais no âmbito do processo crime, na medida em que:

“Todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa.”

No entanto, temos verificado que, a nível das autarquias locais, essa censura social nem sempre tem sido graduada com a mesma intensidade, transmitindo à comunidade em geral uma perceção de impunidade ética e de pouca responsabilidade cívica.

Apesar dos casos configurarem situações semelhantes (como a constituição de arguido) ou até mais gravosas (a existência de decisões condenatórias), são muito poucos aqueles em que se constata, pelo menos, uma suspensão do mandato, a pedido dos próprios, até ao esclarecimento da conduta que está a ser alvo de censura penal. 

Estes casos evidenciam contornos de inércia política, materializada na manutenção da organização interna do respetivo órgão executivo, o que transmite uma abstração prepotente sobre o respetivo contexto ético e social.

Ora, ainda que se possa admitira maior exposição dos autarcas ao risco, por questões estruturais (nomeadamente, pela escassez de recursos a nível de suporte à decisão), devem ser estes a valorizar essa atividade, reforçando a sua exigência perante os seus pares e fazendo justiça ao tempo e recursos que muitos deles investem, por meios próprios, em prol do serviço público.

Assim, embora reconheça os riscos e os desafios acrescidos da gestão autárquica, tal não me parece suficientemente justificativo para a existência de dois pesos e duas medidas quanto à intensidade das exigências éticas no âmbito de exercício de funções estritamente políticas.

Opinião

Vitor Faria
16 de Fev de 2023 0

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