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O Processo

Artigo de opinião de Pedro Reis

Acontecimentos recentes, sobretudo ligados à justiça e aos tribunais, têm-me recordado as obras de Kafka, que li avidamente enquanto jovem adulto.

Talvez por motivos de formação, a que mais me marcou deste autor foi “O Processo”. Neste livro, a personagem central, Joseph K., acorda, no dia do seu aniversário, com três guardas no seu quarto que vieram para o deter, dizendo-lhe que, contra ele, existe um processo.

 

Não dizem que processo é esse, quem o instaurou, quais os factos e quem ordenou a sua detenção.

Na verdade, K. nem sequer está verdadeiramente detido porque, apesar da detenção, é-lhe dito que pode continuar a fazer a sua vida normal.

 

Toda a restante narrativa retrata a busca de Joseph K. por respostas, nomeadamente, a razão da existência de um processo, convicto que está de nada ter feito de mal, sendo certo que ficamos com a sensação de que todas as personagens com quem se cruza sabem mais do processo do que o próprio.

 

Termina a obra com a execução do personagem, um ano após a sua detenção, sem que tivesse conhecimento das razões que o levaram àquela situação, e sem que antes, após proclamar, mais uma vez, a sua inocência, lhe perguntem: “inocente de quê?”.

 

Confesso que esta narrativa claustrofóbica, absurda e demonstrativa da impotência perante a autoridade, me divertia... talvez por, atenta a ingenuidade própria da idade com que li a obra de Kafka, pensar que fosse ficção.

 

Qualquer pessoa decente, confrontada, em abstracto, com situações deste tipo, diria que as mesmas são absolutamente inaceitáveis. 

 

Então, alguma vez seria possível existir um processo, cujo conteúdo fosse do domínio público, mas os visados não tivessem acesso ao mesmo? “Impossível”, responderia, certamente, o leitor. “Isso, só durante o fascismo”.

 

Infelizmente, não é seguramente a minha percepção, depois de mais de vinte anos de exercício efectivo de advocacia e de ser confrontado, todos os dias, com o que vem retratado na comunicação social.

 

Serve de exemplo um dos processo mais mediáticos, o “tutti-frutti”, que começou há mais de 5 anos e cujas escutas foram tornadas públicas pela comunicação social. Porém, como os visados nunca foram constituídos arguidos, não podem aceder ao processo para se defenderem e, eventualmente, explicarem o contexto em que algumas afirmações foram produzidas. Tivemos, aliás, nos últimos dias, o caso de um dos “implicados” que viu o seu pedido de constituição como arguido, que lhe facultaria o acesso ao processo, ser recusado pelo juiz.

 

Apesar de grande parte destes processos terminarem com absolvições, o mal está feito e o assassinato de carácter consumado na opinião pública.

 

Muito poucos querem saber dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos; muitos há que dizem existir um excesso de garantias de defesa. Claro que isto só acontece até se verem confrontados com um ... processo. 

 

Votos de boas e retemperadoras férias!

 

Opinião

Pedro Reis
27 de Jul de 2023 0

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